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Alice Milliat, a pioneira na gestão do esporte feminino

A primeira empreendedora olímpica


Por Ana Miragaya


Pela primeira vez na história dos Jogos Olímpicos (1896-2024), o percentual de atletas femininas que participarão de Paris 2024 será igual ao percentual de atletas masculinos.

  Na realidade, mulheres atletas sempre tiveram que superar obstáculos para participar de esportes competitivos e, especialmente, dos Jogos Olímpicos. Como o esporte foi criado por homens e para homens durante a década de 1830 na Inglaterra e as mulheres não tinham acesso a ele, como desejariam, por razões ligadas à cultura da época, tinham que desenvolver suas atividades esportivas por conta própria, sem apoio da sociedade, bastante machista e patriarcal. As pouquíssimas mulheres inglesas e europeias, de forma geral, que se dedicavam ao esporte no final do século XIX eram praticamente invisíveis, não sendo lembradas e não fazendo parte da cultura esportiva. Praticavam como podiam. As mais abastadas tinham mais tempo livre e praticavam esportes como tênis, vela e golfe em clubes, e foram convidadas a participar dos Jogos Olímpicos de Paris em 1900. Já as menos abastadas, optavam por esportes mais populares, como as várias modalidades do atletismo, que não exigiam grandes investimentos, por exemplo.

A partir da segunda década do século XX, quando entra em cena a remadora francesa Alice Milliat (1884-1957), as coisas começariam a mudar. Mesmo sem nunca ter competido, ela optou por dedicar seu tempo e energia à organização e gestão do esporte feminino. Queria vê-lo crescer e ter um papel de destaque na sociedade francesa. Aos poucos, começou a realizar competições femininas de vários esportes, especialmente, de atletismo. Logo se associou ao clube parisiense Fémina Sport, fundado em 1912, na época, uma das três maiores sociedades francesas para esportes femininos. A eficiência administrativa aliada às habilidades sociais e talento na promoção do esporte feminino e na execução das competições, alçaram  Alice Milliat à presidência do clube, em 1915.


 

Sua administração e liderança foram tão efetivas que ela foi eleita tesoureira da Federação Francesa Esportiva Feminina (Fédération Française Sportive Féminine - FFSF), em 1917. E, no ano seguinte, graças à bem-sucedida carreira de gestora do esporte feminino foi convidada a ocupar a posição de secretária-geral da FFSF, sendo aclamada por unanimidade, em 1919, presidente da Federação das Sociedades Femininas Esportivas da França (Fédération des Societés Fémines Sportives de France - FSFSF). 

 

Nesse mesmo ano, como líder da FSFSF, Milliat enviou uma carta ao Barão Pierre de Coubertin (1863-1937), fundador e presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), restaurador dos Jogos Olímpicos da era moderna, solicitando a inclusão do atletismo feminino nos Jogos Olímpicos. Como Coubertin desaprovava mulheres em competições esportivas, seguindo a tradição européia de seu tempo, ignorou a carta de Alice Milliat.

 

Sem resposta, Milliat decidiu empreender e organizar o Primeiro Encontro Internacional de Educação Física Feminina de Esportes Atléticos (1er Meeting International d'Education Physique Féminine de Sports Athlétiques) em Monte Carlo, em 1921, com a participação de 100 mulheres atletas, durante 5 dias. Como percebeu o enorme interesse que vários países tinham pelo esporte feminino, tomou a iniciativa de fundar a Federação Esportiva Feminina Internacional (Fédération Sportive Féminine Internationale - FSFI) naquele mesmo ano, com a participação de cinco países: Tchecoslováquia, Grã-Bretanha, França, EUA e Espanha.

 

Ainda em 1921, a incansável Alice enviou novamente carta ao COI propondo a inclusão do atletismo feminino nos Jogos Olímpicos de Paris, 1924. Como mais uma vez não obteve resposta, decidiu que as mulheres atletas poderiam administrar e ter seus próprios Jogos. Saiu do sonho e partiu para a ação, organizando os primeiros Jogos Olímpicos Femininos em Paris, em 20 de agosto de 1922, diante de 15.000 espectadores, para surpresa do COI e de outras federações internacionais, como a Federação Internacional de Atletismo (IAAF), que esperavam pouco público. Os Jogos tiveram tanto triunfo, que a edição de agosto do jornal esportivo quinzenal francês Le Sportif comparou Madame Milliat a Coubertin, primeiro empreendedor olímpico bem-sucedido. Alice Milliat era, sim, uma empreendedora olímpica!

 

O magnífico resultado da exibição em Paris atestou o controle do esporte feminino por mulheres, o que seria um ultraje ao COI, ainda mais com competições de atletismo, esporte considerado masculino à época. Isso poderia ofuscar o brilho do COI, que vislumbrou uma supostamente indevida concorrência feminina. Assim, o COI exigiu que Milliat retirasse a palavra "olímpica" dos Jogos Olímpicos Femininos. O objetivo era colocar um obstáculo à escalada de poder sobre o esporte feminino por parte da FSFSI. Alice, no entanto, de forma bastante inteligente e hábil, diante dessa oportunidade, pôde finalmente negociar com o COI a participação das mulheres no atletismo dos Jogos Olímpicos de Amsterdã, de 1928. Não pôde incluir tudo o que queria, mas fechou o “pacote” com cinco modalidades do atletismo: 800m, 100m, 4x100m, salto em altura e lançamento de disco, em troca da retirada do termo “olímpico” dos Jogos, tornando-os Jogos Mundiais Femininos. Com isso, o atletismo feminino foi incluído nos Jogos Olímpicos e nunca mais retirado.

 

Isso feito, Milliat continuou sua organização dos Jogos Mundiais Femininos em Gotemburgo (Suécia) em 1926, em Praga (Tchecoslováquia) em 1930 e em Londres (Inglaterra) em 1934. A pressão do COI e das federações internacionais, em especial a IAAF, e a proximidade da guerra, fizeram com que Madame Milliat se retirasse do cenário esportivo em 1936.

 

No entanto, os esforços de Milliat para que o esporte feminino fosse reconhecido pelas organizações esportivas masculinas foram recompensados e não apenas com a inclusão de mulheres no atletismo mas, também, com a participação feminina nos Jogos, o que inspirou milhões de mulheres no mundo a praticar esportes. Como resultado, novas federações e clubes femininos foram fundados assim como campeonatos e jogos em vários países, o que resultou em mais atenção para o esporte feminino.

 

Alice Milliat abriu as portas do esporte para as mulheres, conseguindo incluir o atletismo feminino nos Jogos Olímpicos. Mas ela fez muito mais do que isso. Criou um modelo para que as mulheres se tornassem organizadoras, gestoras e empreendedoras não somente do esporte olímpico, mas de qualquer tipo de esporte.



Fonte: MIRAGAYA, A. The process of Inclusion of Women in the Olymic Games. Tese de doutorado, Universidade Gama Filho, 2006.


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