Aos 59 anos, bicampeã paralímpica e campeã mundial - além de ter sido porta-bandeira do Brasil na abertura dos Jogos Paralímpicos de Paris, ao lado do nadador Gabriel Araújo, o Gabrielzinho – a atleta cadeirante Elizabeth Rodrigues Gomes já poderia até pensar que sua missão está cumprida. Mas logo após ter conquistado, num mesmo dia, 2 de setembro, o ouro e o bicampeonato paralímpico no lançamento do disco da classe F53 e a prata no arremesso do peso nas classes F53/F54, competindo com adversárias com deficiências menos severas, Beth Gomes, como é mais conhecida, já olha para o futuro. Seu GPS esportivo já está se deslocando de Paris para Los-Angeles-2028, quando ela já contará 63 anos.
Foto: Comitê Paralímpico Brasileiro
“Se Deus me permitir e eu estiver em condições, quero estar lá. Nosso presidente (do Comitê Paralímpico Brasileiro) Mizael (Conrado) fala que vou competir até os 90 anos. E eu respondo: 'Deus te ouça, olha que vou estar lá!' (risos). Brincadeiras à parte, enquanto estiver sã e com vontade de treinar, essa Beth, essa fênix, como sou chamada, vai continuar. Esse ar me dá fôlego para acreditar que amanhã estarei aqui”, enfatizou a atleta feminina mais velha do país nos Jogos Paralímpicos, em entrevista à Empresa Brasileira de Comunicação, na Casa Brasil Paralímpico, em Saint-Ouen, cidade vizinha a Paris.
O dia 2 de setembro se tornou inesquecível para essa atleta de Santos, que saiu do Stade de França, em Saint Dennis, com duas medalhas paralímpicas. De manhã, ela havia ficado em segundo lugar no arremesso de peso das classes F53/F54, com a distância de 7,82 m. Foi o recorde mundial de sua classe, em que quebrou sua marca de 7,75 m, conquistada no Campeonato Mundial da categoria em 2023. Na sessão de atletismo da tarde, Beth Gomes conquistou o ouro no lançamento de disco F53, para atletas que competem em cadeira de rodas, com o recorde paralímpico de 17,37m. Como ocorre com todos os campeões nas provas de atletismo, ela pôde bater o sino instalado no estádio que, depois, voltará às torres da Catedral de Notre Dame de Paris, em restauração depois do incêndio de 2019.
Para Beth, a participação e as conquistas nas Paralimpíadas são a realização de sonhos.
"O sonho de qualquer atleta é chegar a uma Olimpíada. No momento que me tiraram esse sonho no esporte que tanto amava e continuo amando, o vôlei, pensei que tinha acabado. Mas não. E quando vejo que consegui [medalhas paralímpicas] não somente em uma prova, mas em duas, isso, para mim, traz esse brilho nos olhos. É o brilho de uma realização”, afirmou.
Beth Gomes era a atleta de vôlei até 1993, quando foi diagnosticada com esclerose múltipla. Teve de parar com o vôlei e fez seus primeiros contatos com o esporte paralímpico por meio do basquete em cadeira de rodas, em Santos. Quando foi a uma instituição local para obter uma carteirinha para poder viajar de ônibus como cadeirante, foi convidada para o basquete em cadeira de rodas e acabou se adaptando.
Nesta modalidade, disputou campeonatos e integrou a seleção nacional. Pouco depois, começou também no atletismo paralímpico, tendo praticado as duas modalidades entre 2006 e 2010. Em 2008, Beth defendeu a seleção brasileira de basquete nos Jogos Paralímpicos de Pequim, na China. Dois anos depois, viu-se forçada a escolher uma das seleções, a de basquete em cadeira de rodas ou a de atletismo. Em 2011, fixou-se no atletismo e disputou os Jogos Parapan-Americanos de Guadalajara, no México, nas modalidades de arremesso de peso, disco e dardo.
Atualmente, Beth convive com a esclerose múltipla, que para ela serve como impulso e não obstáculo, já que, a partir disso fez história nas Paralimpíadas:
"A esclerose múltipla é minha amiga. Ela caminha ao meu lado, mas eu vou sempre vencê-la".
Segundo Beth, a esclerose múltipla leva a períodos de fadiga. Por isso, sua treinadora, Rose Farias, se aprofunda em estudos sobre a esclerose juntamente com a irmã de Beth, que é neurologista e especialista na doença.
“Então, [a treinadora] não passa mais do que eu posso fazer. Foi tudo preparado para acontecer como em Kobe (no Japão, pelo Mundial de 2024), em que também disputei as duas provas no mesmo dia. Consegui conciliar, descansar e trazer as medalhas (ouro no disco e prata no peso)”, explicou.
Colecionadora de pódios, Beth Gomes tem ouro no lançamento de disco e prata no arremesso de peso no Mundial de Kobe 2024; ouro no arremesso de peso e no lançamento de disco no Mundial Paris 2023; ouro no lançamento de disco nos Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020; ouro no lançamento de disco no Mundial Dubai 2019; bronze no arremesso de peso no Mundial Doha 2015; tudo isso além de medalhas em edições de Jogos Parapan-Americanos de 2015, 2019 e 2023.
"(Para alcançar tantos objetivos) Tem que abdicar de muitas coisas para ter o que se almeja, além de respeitar o treinador e os outros atletas. É difícil, é custo, não tem verba no começo para viajar e competir, então tem que ir na raça, mas se não desistir e focar, a vez de cada um chega", concluiu ela, que é palestrante, dirigente da Associação de Esclerose Múltipla da Baixada Santista e sonha criar um instituto com seu nome para apoiar pessoas com deficiência, idosos e crianças da rua.
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