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Esporte sob fogo cruzado

Por Mariana Canedo

Primeira modalidade a trazer medalhas para o Brasil nos Jogos de Antuérpia, em 1920, o tiro esportivo está sob fogo cruzado. No último dia 21 de julho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou o Decreto 11.615/23 que limita o número de armas e munições que podem ser compradas pelo cidadão brasileiro. O texto do executivo também altera uma série de quesitos no que diz respeito a aquisição, registro, porte e uso de armas de fogo, o que trouxe bastante preocupação para as entidades ligadas ao tiro esportivo. Com uma vaga já garantida para os Jogos Olímpicos de Paris na pistola de ar 10m graças ao título das Américas conquistado no fim do ano passado por Philipe Chateaubriand, o receio é de que as limitações impostas pelo decreto atrapalhem o rendimento de outros atletas do time Brasil.

Philipe Chateaubriand, primeiro atleta a conquistar vaga em 2024

Foto: Divulgação/CBTE

O Brasil registrou aumento de Caçadores, Atiradores Desportivos e Colecionadores de armas em 2022, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em julho. O número de CACs aumentou mais de seis vezes sob a gestão do governo anterior, subindo de 117.467 em 2018 para 783.385 em 2022. Analisando os números de 2017 (63.137 CACs à época), com a flexibilização iniciada durante o governo Michel Temer, o aumento foi de 12 vezes.

Ao mesmo tempo, houve redução no número de armas de fogo apreendidas. Em 2022, foram identificados pelo Exército 783.385 Certificados de Registro (CR) ativos para as atividades de caçador, atirador desportivo e colecionador, número correspondente ao total de CACs ativos no país.

O levantamento indica um cenário de crescimento de 665% no número de CR concedidos/ativados no período entre 2018 e 2022, particularmente durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro. Cabe ressaltar que ainda em 2017, durante o governo Temer, foi criada a figura do porte de trânsito, que permitia o deslocamento de CACs com arma municiada e pronta para uso até clubes de tiro ou locais de caça. No que tange aos atiradores desportivos, passou a ser permitida a posse de até 60 armas, sendo 30 de uso restrito, e até 1000 munições por cada arma de uso restrito por ano. No caso de munições por arma de uso permitido, a legislação vigente até o decreto presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva permitia até 5000 munições e até 20kg de pólvora. Um total de 150.000 munições por 30 armas de uso permitido e 30.000 por 30 armas de uso restrito.

Com o decreto presidencial, são retomadas classificações por níveis de atiradores esportivos, que passarão a ter de comprovar treinamento e competições ao longo do ano. A quantidade de armas e munições estará relacionada ao grau de treinamento. No nível 3, que é o mais alto, poderão ter até 16 armas, mas precisarão comprovar a participação em pelo menos seis competições por ano, sendo ao menos duas em nível nacional e internacional. Atiradores do nível 3 de dois modelos de armas específicos (.22 LR ou SHORT) terão permissão para utilizar no máximo 32.000 cartuchos por ano.

Segundo a CBTE, um atleta de alto rendimento de tiro ao prato treina em média cinco vezes por semana e em cada treino dá cerca de 200 tiros, gastando um total de aproximadamente 48.000 munições. Já atletas de carabina e pistola treinam de segunda a sexta e folgam apenas no fim de semana. Dependendo da semana, a folga ocorre apenas em um dia. Em cada treino o atleta dá de 200 a 300 tiros, o que pode totalizar até 86.400 munições por ano.

A Confederação Brasileira de Tiro Esportivo (CBTE) se posicionou a respeito do decreto, reiterando “seu respeito aos valores democráticos, à soberania harmônica dos Poderes e das Instituições, e a confiança na qual o direito ao esporte e à cultura é inalienável, seja ele qual for e afastada qualquer discriminação ideológica”.

A nota também cita o art. 217 da Constituição Federal que estabelece que é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, o que inclui as mais diversas modalidades que integram o desporto do tiro.

Recentemente, o ministro da Justiça Flávio Dino, afirmou, em entrevista ao programa “Bom Dia Ministro”, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC): “Onde essas facções (criminosas) conseguem suas armas? Elas vão na loja e compram? Não. Tem o contrabando, claro, nas fronteiras, portos, que é uma área em que estamos atuando, mas também tem esse desvio, de gente que diz que compra arma porque é caçador e na verdade alugam arma para facção”. O ministro não especificou casos, tampouco citou fontes demonstrando a veracidade dos argumentos.

Em sua live, “Conversa com o presidente”, Lula declarou: “Porque o cidadão quer uma pistola de 9mm? Vai fazer coleção, vai brincar de dar tiro? Porque no fundo, esse decreto de liberação de armas que o presidente anterior fez era para agradar o crime organizado. Porque quem consegue comprar é o crime organizado e gente que tem dinheiro. Pobre, trabalhador não está conseguindo comprar comida, como vai comprar rifle, fuzil? Eu não acho que o empresário que tem local de praticar tiro é empresário. Eu já disse para o Flávio Dino que temos que fechar quase todos. Só temos que deixar aberto aqueles que são da polícia militar e do Exército. Ou da Polícia Civil. Quem tem que treinar tiro é a polícia e não a sociedade”.

As regras mais rígidas previstas no decreto presidencial limitam o horário de funcionamento dos clubes, dificultam a presença de menores de idade neles, vedam publicidade e restringem a localização dos estabelecimentos. A vigência do decreto, no entanto, não é imediata. Os clubes de tiro terão até janeiro de 2025 — 18 meses contados da publicação do decreto — para fazer as adequações exigidas.

Em nota assinada pelo presidente da entidade, Jodson Gomes Edington Junior, a Confederação se posicionou: “A CBTE, respeitosa e democraticamente, discorda veemente, refuta e repudia todas e quaisquer manifestações irrazoáveis, infundadas, ofensivas e inverídicas que ataquem a honra, a imagem e dignidade desta entidade, bem como dos seus filiados, e do próprio esporte”.

Tiro Esportivo x Violência no Brasil

A CBTE está presente em 24 estados brasileiros, com 531 clubes afiliados a federação. Deste total, mais de 50% estão na região Sul e Sudeste, cerca de 16% na região Centro-Oeste e menos de 30% na região Norte e Nordeste. Dos 30.700 filiados, menos de 10% estão nas regiões Norte e Nordeste. A região Centro Oeste concentra também pouco menos de 10% com mais de 80% dos filiados atuantes nas regiões Sul e Sudeste.

Pesquisa feita pela ONG Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal, do México, mostrou que dez cidades brasileiras estão entre as 50 mais violentas do mundo: Mossoró (RN), Salvador (BA), Manaus (AM), Feira de Santana (BA), Vitória da Conquista (BA), Natal (RN), Fortaleza (CE), Recife (PE), Maceió (AL) e Teresina (PI). Todas as cidades estão na região Norte / Nordeste e fazem fronteira ou estão próximas a países sob forte influência do tráfico internacional de drogas.

Dados do Ipea mostram que de 2017 a 2019 houve queda no número de óbitos por arma de fogo em quase todo o país. Apenas dois dos 27 estados brasileiros tiveram alta neste índice, Amazonas (de 975 para 981) e Amapá (de 228 para 257). Em 2018, o Brasil registrou 57.956 homicídios. Em 2019 este número ficou em 45.503. A queda foi de 21,5%. Em 2020, ano em que foi decretado estado de emergência em função da pandemia, aumentou para 50.033. Em 2021, o número de mortes voltou a cair e ficou na casa dos 47.503. Em 2022, o país teve o menor índice de homicídios em 16 anos, com 40.800 mortes.

A menos de um ano para as Olimpíadas de Paris, a CBTE ressaltou a importância de os atletas terem tranquilidade e segurança para seguir com os treinamentos. E lembrou que todos os praticantes de tiro são submetidos a avaliação psicológica e passam por todos os processos de comprovação de idoneidade e capacidade, o que por si só já seria motivo bastante para que pudessem praticar o esporte com dignidade.

Além do mais, o tiro esportivo conquistou recentemente mais duas medalhas de prata com o atleta Felipe Wu, nos Jogos Olímpicos da Juventude em 2010 e nos Jogos Olímpicos Rio 2016. O atleta Felipe Wu começou a praticar o tiro esportivo por influência de sua família, aos 11 anos.

Se você quer conhecer mais sobre o tiro esportivo, aproveite para assistir ao documentário “Alvo Olímpico”, produzido pela Bruxellas Produções em 2012, e disponibilizado no YouTube.     

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