Depois de obter o melhor resultado de sua história em Campeonatos Mundiais com seis medalhas, na última edição em Antuérpia, na Bélgica, a ginástica feminina do Brasil poderá voltar a brilhar intensamente nas Olimpíadas de Paris, em 2024. A análise é da professora de ginástica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e comentarista do Mundial pela CazeTV, Andréa João. Envolvida com a ginástica há 50 anos, primeiro como atleta e depois como treinadora e árbitra, a profissional acredita que o país pode, sim, sonhar com pódios na modalidade nos Jogos Olímpicos do ano que vem.
"Esta equipe que aí está, se estiver toda inteira, é para brigar por medalhas, sim. Rebeca Andrade (ouro e prata nas Olimpíadas de Tóquio-2020 e dona de três ouros, quatro pratas e dois bronzes nos Mundiais de 2021, no Japão, e neste de agora, na Bélgica) pode buscar ainda mais em Paris. O Brasil pode fazer algo ainda melhor lá. Também temos a Flávia (Saraiva), que foi bronze no solo no Mundial e pode se sair ainda melhor na trave e no individual geral e paralelas", comentou a especialista.
As previsões de Andrea fazem todo sentido. Afinal, no recém-encerrado Mundial, a delegação verde e amarela obteve seis pódios, sendo um ouro no salto com Rebeca; uma prata por equipes, com Rebeca, Flávia, Jade Barbosa, Lorrane Oliveira e Júlia Soares; prata no individual geral e no solo e bronze na trave, com Rebeca; além do bronze no solo, com Flávia. No masculino, desta vez nenhum atleta brasileiro obteve medalha.
Ainda com o foco em Paris-2024, a treinadora e comentarista destacou a ginástica como um dos esportes em que a delegação brasileira mais tem possibilidades de brilhar nos Jogos Olímpicos. Com a equipe feminina, tem chances no individual geral e nos aparelhos (salto, solo, trave). No masculino o país não conseguiu a classificação por equipe, no entanto, tem possibilidades de conseguir bons resultados em alguns aparelhos com a participação individual de atletas.
"A ginástica brasileira é sempre uma grande aposta (olímpica), porque subiu de patamar. No alto rendimento, o nosso esporte se profissionalizou, e os atletas vivem da ginástica. A modalidade tem mais algumas apostas agora", destacou Andréa João. Entretanto, a comentarista evitou falar em uma escola brasileira de ginástica, já que apesar do crescimento da modalidade, ela ainda está centralizada em apenas alguns estados do país, como Rio, Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
A respeito da estrela Rebeca, Andrea João considera que a ginasta paulista é mais uma prova viva do quanto é talentosa a população brasileira.
"Ela soma talento e oportunidade, porque muitas crianças têm talento, mas por vezes, não se beneficiam da necessária oportunidade. Rebeca começou com (a treinadora) Mônica dos Anjos, em Guarulhos. Depois, no Flamengo, Keli Kitaura e Francisco Porath. Trabalhou também com Alexander Alexandrov, Irina Ilyashenko, e continuou a crescer... É sem dúvida o maior nome da ginástica da história do Brasil", enfatizou a professora, acrescentando que Daiane dos Santos, campeã mundial de solo em 2002, e Daniele Hypólito, vice mundial no solo em 2001, jamais poderão ser esquecidas.
Referência na ginástica e no próprio esporte olímpico brasileiro, Rebeca vem sendo apresentada como uma destacada rival da americana Simone Biles, considerada um fenômeno da ginástica com sete medalhas olímpicas (incluindo quatro ouros) e 30 em Mundiais (sendo 23 ouros). Em Antuérpia, as duas duelaram intensamente.
"Creio que no individual geral, Rebeca teria chance de vencê-la se incluir maiores dificuldades em suas séries, e se a Biles errar. Mas no salto, por exemplo, a Rebeca venceu. Considero Simone Biles a melhor ginasta de todos os tempos. Nadja Comaneci (romena que faz parte da história da modalidade, com cinco ouros olímpicos nos Jogos de Montreal-1976 e Moscou-1980, dois ouros em Mundiais e dezenas de medalhas em Europeus e outras competições) era a imagem da perfeição, o 10 perfeito. Mas a Biles é o exagero da dificuldade e com um desempenho excelente. Como ela praticamente nunca erra, não perde", compara
"Simone Biles é mais forte, potente, explosiva, corre maiores riscos, exibe maior originalidade. A ginástica mudou. As meninas vitoriosas agora são mais potentes e explosivas."
Para a professora, que comentou o recente Mundial pelo streaming da CazeTV, o resultado do Brasil na Bélgica não foi uma surpresa, já que o país vem evoluindo na modalidade de forma constante nas últimas edições de Olimpíadas e Mundiais
"Podemos dizer que já se sabia que o nosso país tinha ginástica suficiente para ser segundo por equipes, mas esperávamos um terceiro, até porque no Mundial anterior, tínhamos ficado em quarto por equipes. Então, acho que o resultado estava dentro do esperado. Mas só se confirma o favoritismo após a competição", acrescentou, ressalvando que a Rússia não competiu e a China fez uma competição ruim, por ter enviado uma equipe jovem e um tanto inexperiente
Ainda a respeito do resultado da competição feminina por equipes - com EUA em primeiro, Brasil em segundo e França em terceiro - tais colocações podem demonstrar uma nova tendência neste esporte.
"Acho que se pode dizer que a ginástica está mudando de continentes. Antes, era baseada na Europa e na Ásia. Agora, num Mundial, a primeira e a segunda melhores equipes são das Américas. A União Pan-Americana de Ginástica deve estar em festa, até porque americanas, brasileiras e canadenses classificaram suas equipes para as Olimpíadas. Isso valoriza a próxima edição dos Jogos Pan-Americanos (a partir de 20 de outubro, em Santiago do Chile), e neste Pan, o Brasil deve levar sua equipe A", analisa Andrea.
No último Mundial, chamou a atenção, na prova do individual geral, o fato de que as três medalhistas tenham sido atletas negras - a americana Simone Biles, com o ouro; a brasileira Rebeca, com a prata; e a também americana Shilese Jones, com o bronze. Segundo a professora Andrea, se há até algum tempo predominavam as atletas europeias, com o crescimento das Américas, onde há mais negras e mestiças, tais resultados vêm aparecendo. Entretanto, não há estudos que demonstrem um melhor desempenho por parte de atletas negras.
A comentarista acredita que a migração de treinadores das escolas russa e chinesa para várias partes do mundo assim como os cursos da Academia da Federação Internacional de Ginástica (FIG) contribuíram para a descentralização do conhecimento sobre ginástica. Além disso, com a internet existe uma maior difusão de informações sobre a modalidade e os bons treinadores também consultam os árbitros, que costumam dar dicas de forma didática, explicando por exemplo os códigos que estão valendo.
"Acredito que nos Jogos Pan-Americanos, a equipe feminina vá lutar pelo ouro, dependendo se os Estados Unidos vão levar seu time principal. Brasil, Estados Unidos, se for com a equipe principal, e Canadá são os favoritos. No masculino, é mais difícil o Brasil brigar pelo ouro. São muito fortes os EUA (time principal), o Canadá e a Colômbia", explicou.
Foto: Divulgação/ CBG
A Seleção Brasileira de Ginástica Artística Feminina será composta por Carolyne Pedro, Flávia Saraiva, Jade Barbosa, Júlia Soares e Rebeca Andrade. Já a Seleção Brasileira de Ginástica Artística Masculina contará com Arthur Nory, Bernardo Miranda, Diogo Soares, Patrick Sampaio e Yuri Guimarães. Andrea João deverá comentar as provas de ginástica pela CazeTV entre os dias 20 de outubro e 5 de novembro. Os comentários da ex-atleta e árbitra, que vem tocando um projeto social e esportivo de ginástica na Escola Municipal Bento Ribeiro, no bairro carioca do Méier, contribuem para aumentar também o conhecimento do público sobre a modalidade, que virou o novo coqueluche nacional.
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