top of page
bruxellasproducoes

Moralidade, ética e a cultura do ilegal, e daí?

Por Andréa Bruxellas


No último dia 11 de setembro, a Fifa anunciou o banimento de três jogadores brasileiros do futebol: o atacante Ygor Catatau, ex-Vasco e que defendia o clube iraniano Sepahan desde o início do ano, Gabriel Tota, ex-volante do Juventude, e o goleiro Matheus Gomes, ex-atleta do Sergipe. Outros oito jogadores tiveram punições de 360 a 720 dias de afastamento por envolvimento no esquema de apostas exposto pela operação “Penalidade Máxima”, realizada pelo Ministério Público de Goiás. Os jogadores eram aliciados a cometer fraudes durante jogos como um pênalti ou forçar um cartão amarelo ou expulsão para manipular resultados e favorecer grupos de apostas. Nos autos do processo do Superior Tribunal de Justiça Desportiva ainda foram citados mais de 50 jogadores brasileiros. Após o julgamento, foram estabelecidas também multas como compensação aos atos ilícitos que geraram lucros para um grupo de apostadores. No entanto, o afastamento, ou mesmo o banimento do futebol, terá um custo irrecuperável para os jogadores envolvidos.

A trapaça levanta diversas questões relacionadas à integridade do esporte, à responsabilidade dos jogadores e à eficácia das medidas disciplinares da FIFA. Para proteger a credibilidade do esporte e manter a confiança dos fãs, a federação internacional tem adotado uma postura mais rigorosa em relação a esses problemas nos últimos anos, implementando regulamentações mais rígidas e medidas disciplinares mais severas. Uma pesquisa realizada no ano passado pela Starlizard Integrity Services (SIS), divisão especializada em integridade da consultoria de apostas esportivas sediada em Londres, identificou, a partir de padrão de apostas anormais, 84 partidas suspeitas de manipulação no mundo, sendo 31% delas de alto nível.

O escândalo recente envolvendo jogadores brasileiros destaca a necessidade de uma vigilância ainda maior contra práticas desonestas, apostas ilegais e corrupção no âmbito esportivo. Suscita, também, uma reflexão sobre o campo ético-moral que permeia o futebol e os jogos de azar dentro do contexto histórico contemporâneo, que envolve a subjetividade dos sujeitos sociais e uma disputa em torno de valores e interesses hegemônicos. Além disso, evidencia a carência de programas de integridade e educação voltados para atletas, treinadores, dirigentes e árbitros alertando para a importância do cumprimento das normas e para as punições previstas nos casos de condutas ilegais.

A perspectiva moral individual de uma pessoa ou a posição de uma sociedade em relação aos jogos pode ser influenciada por muitos fatores: sociais, econômicos e culturais resultando em uma gama de opiniões sobre a moralidade de condutas em relação às apostas de uma maneira geral. Os Estados Unidos, por exemplo, têm um histórico de regulamentação de jogos de azar em nível estadual. Já o Reino Unido, atento à rápida evolução tecnológica que possibilitou o aparecimento de vários websites dedicados aos jogos de azar, criou novas leis e tem uma das mais desenvolvidas e regulamentadas indústrias de apostas do mundo.

Como fenômeno cultural e social, que reflete os valores da sociedade, a ética no esporte está interconectada com a ética na sociedade em geral. Parte-se do discurso em torno do futebol como representante de um modelo de conduta. Portanto, a ética torna-se fundamental para preservar a integridade do esporte, que inclui o respeito às regras, o jogo limpo e o fair play, remetendo também a valores morais como honestidade, respeito e igualdade.

Embora etimologicamente as palavras ética e moral se assemelhem no significado, filósofos, como Marilena Chauí (1994), apontam uma distinção entre os dois termos. Para Chauí, a moral normalmente está associada às normas e valores específicos de um grupo e pode variar de acordo com fatores culturais, religiosos e históricos.

A própria proibição da exploração dos jogos de apostas no Brasil, que eram permitidos até 1946, quando havia 71 cassinos no país gerando empregos, foi estabelecida a partir de um decreto do presidente Eurico Gaspar Dutra sob o argumento de que o jogo é degradante para o ser humano. A decisão de cunho moral de Dutra, que segundo especulações teria sido influenciada pela primeira dama, envolveu uma questão ética. De acordo com Chauí, a ética seria uma reflexão mais abstrata e mutável no tempo e no espaço sobre os princípios morais universais que fundamentam a conduta humana.

No caso do esporte, no entanto, existe uma disputa de forças e visões de mundo que dificulta a tarefa de estabelecer parâmetros de ética no futebol. ” Assim, as diferentes classes têm expectativas muito desiguais em relação aos lucros “intrínsecos” (reais ou imaginários, pouco importa, pois são reais enquanto realmente desejados) (…) (BOURDIEU, 1983, p.15) Portanto, o próprio discernimento entre o certo e o errado, o direito e o dever estaria fundamentado em princípios morais que, no caso do esporte, foram combinados a ideologia elitista do amadorismo difundida nas associações esportivas europeias do século XIX e no ideário olímpico, que vão na contramão da ética utilitária do esporte-espetáculo dos dias atuais, enraizada no profissionalismo e nos interesses comerciais.

Ademais, como explicar o fato de o jogo de azar ser considerado uma contravenção e seguir ativo no país sob as cortinas da ilegalidade? Em fevereiro do ano passado a lei 442 de 1991, que legaliza a operação, foi aprovada pela Câmara dos Deputados, mas ainda está em processo de apreciação pelo Senado.

As plataformas de apostas esportivas têm investido pesado em publicidade e suas marcas estão estampadas tanto nas placas de propaganda dos estádios quanto nas camisetas de diversos times de futebol. Só em julho deste ano o Governo Federal publicou, no Diário Oficial, a Medida Provisória 1.182/2023 regulamentando os sites de apostas de quota fixa, o “mercado de bets”, demonstrando que havia um consentimento tácito em relação aos apostadores e casas de apostas que operam regularmente hospedadas em servidores estrangeiros.

Na Inglaterra, país que aposta até no futuro da família real, os times da liga de futebol, a exemplo do que já acontecia na Espanha e na Itália, concordaram em vetar patrocínios de empresas de apostas na parte da frente das camisas dos times. A mudança entrará em vigor no final da temporada 2025-2026.

Incoerências e carências de regulamentação marcam tanto o mercado de apostas quanto o de futebol no Brasil. Muitas questões éticas estão em jogo. Trata-se de um campo em constante evolução à medida que novos desafios e problemas são identificados. No entanto, ao mesmo tempo em que se cobra do atleta a promoção e manutenção de valores éticos, é preciso que os clubes, instituições esportivas e em última instância o Governo Federal, operador há anos da loteria esportiva, jogo baseada em probabilidade e aleatoriedade como outros considerados de azar, estejam igualmente comprometidos em solucionar com transparência a crise de valores.



Foto: Instagram @gabrieltota01


A preocupação em taxar e regulamentar precisa caminhar pari passu com os estudos sobre os impactos dos jogos de azar na sociedade.

Enquanto isso não acontece, os jogadores banidos do futebol tentam outras tacadas de sorte. O goleiro Matheus Gomes está trabalhando como motorista de aplicativo e Gabriel Tota, réu confesso e segundo as investigações o jogador que mais lucrou com a quadrilha, vende espaço para divulgação em seu perfil no Instagram. É esperar para ver se a habilidade de Tota em manipular os quase 90 mil seguidores será igualmente lucrativa.




5 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page