Por Andréa Bruxellas
Depois de 48 jogos disputados na Austrália e Nova Zelândia, foi encerrada neste domingo (20) a Copa do Mundo Feminina-2023, que contou com 1,222 milhão de torcedores nos estádios e uma receita recorde de 570 milhões de dólares. A competição, disputada por 32 seleções, mesmo número da masculina, foi considerada pela Fifa como a mais equilibrada dos últimos tempos. Mas o Estádio Olímpico, em Sydney, onde foi realizada a cerimônia de encerramento e a partida final em que a Espanha venceu a Inglaterra por 1 a 0 e se sagrou a quinta campeã do torneio, também foi palco de mais um caso de assédio no esporte. Em meio a festa de premiação pela conquista do título e celebração da igualdade de gênero que ditou a tônica da competição, o presidente da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF), Luis Rubiales, teve uma atitude que simboliza todo o machismo que ainda ronda os gramados. Durante os cumprimentos às jogadoras, o dirigente tascou um beijo sem consentimento na boca da atacante Jennifer Hermoso, de 33 anos.
A atitude inusitada do mandatário surpreendeu Hermoso, que chegou a declarar em uma live ainda no vestiário: “Eu não gostei, mas o que eu ia fazer?”
As jogadoras espanholas comemoravam o título inédito e, talvez por isso, inebriadas pela alegria da vitória, não tenham se dado conta do quanto a atitude do dirigente foi representativa de tudo que a classe tanto tem lutado contra no esporte.
Além disso, a Espanha é referência no combate à violência sexual, inclusive com uma lei aprovada no ano passado conhecida como “Solo sí es si” (só sim é sim) e, também, tem o protocolo No Callem, criado pelo governo de Barcelona e aplicado no caso do jogador Daniel Alves, para combater agressões sexuais e violência machista em espaços de lazer da cidade.
Se depois a própria jogadora, que chegou a perder um pênalti quando o jogo já estava 1 a 0 e é a maior artilheira da seleção espanhola com 51 gols, minimizou a o momento em que Rubiales segura o seu rosto e a surpreende com um beijo dizendo tratar-se de um gesto de carinho, autoridades do país não tiveram a mesma condescendência.
“Não vamos supor que dar um beijo sem consentimento seja algo ‘que acontece’. É uma forma de violência sexual que as mulheres sofrem diariamente, e que não podemos normalizar. É tarefa de toda a sociedade. Consentimento no centro. Só sim é sim”, disse a Ministra da Igualdade da Espanha, Irene Montero.
A perplexidade diante da imagem que rodou o mundo também fez com que a ministra dos Direitos Sociais, Ione Belarra, se manifestasse:
“O que todas nós pensamos: se eles fizerem isso com toda a Espanha assistindo, o que eles não farão em particular? A violência sexual contra a mulher tem que acabar. Abraços às nossas campeãs!”, disse.
Após a conquista da Copa, Olga Carmona, de 23 anos, autora do gol do título aos 29 minutos de partida, soube do falecimento do pai. O gol da lateral-esquerda do Real Madrid fez com que a Espanha se tornasse o segundo país, depois da Alemanha, a vencer Mundiais tanto no masculino quanto no feminino.
Em meio a festa espanhola, o Real Madrid emitiu um comunicado oficial de condolências à jogadora e familiares. Mas se o clube, considerado o maior do futebol mundial, apresentou a atitude correta e esperada na situação, o mesmo não se pode dizer do presidente da Real Federação Espanhola de Futebol.
Mas, pelo menos momentaneamente, todo o constrangimento parece ter ficado pra trás diante do título da Espanha, que assume o lugar de maior potência do futebol de mulheres do Planeta com a tríplice coroa conquistada dentro de um mesmo ciclo: Sul-17, Sub-20 e Adulto. Até o entrevero ocorrido no ano passado entre o treinador Jorge Vilda e 15 jogadoras, que chegaram a considerá-lo um “técnico de terceira divisão”, ficou em segundo plano. A conquista consagra o trabalho do técnico, das jogadoras, e dos clubes, incluindo o Barcelona, atual campeão da Champions e dono do passe de nove integrantes da seleção campeã.
A Federação Espanhola de Futebol também poderia estar colhendo os louros da copa mas, talvez, as imagens da premiação merecessem ser reavaliadas pelo VAR, árbitro assistente de vídeo, para uma melhor avaliação do ato sexista e definição de uma nova postura em lances futuros.
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