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O Jogo da Morte: Quando a Paixão pelo Futebol Venceu o Nazismo

Marco de Cardoso*



A Guerra da Ucrânia se encaminha em 2024 para o segundo ano de um conflito sangrento, que se iniciou em fevereiro de 2022,quando a  Rússia invadiu este país do Leste Europeu. O povo ucraniano já sofreu com várias guerras e invasões estrangeiras ao longo de sua existência. Durante a Segunda Guerra Mundial, o país foi ocupado pela Alemanha Nazista, fato que gerou uma história que tem contornos de heroísmo, altivez, coragem e que se transformou numa verdadeira lenda do esporte : o chamado Jogo da Morte.

 

Antes de entrar nos detalhes dessa histórica partida, é preciso entender o contexto daquela época. A Ucrânia estava dominada pelo exército nazista desde que a Alemanha pôs em prática a  invasão da antiga União Soviética, na chamada "Operação Barbarossa" em 1941. Mais de 3,5 milhões de soldados alemães foram usados na empreitada, que foi feita de forma rápida e violenta, não poupando nada que estivesse no caminho das divisões germânicas, nem mesmo as vidas dos civis.

 

Em função disso, numa tentativa de fazer uma propaganda positiva do regime e tentar encobrir as denúncias de crimes de guerra e extermínio da população ucraniana, os nazistas permitiram que partidas de futebol fossem realizadas na cidade de Kiev, a capital da Ucrânia. Mas o objetivo era  também demonstrar e reafirmar a propagada ideia nazista de  "supremacia ariana" em todos os aspectos da vida, inclusive no esporte.

 

Foi criado assim o FC Start (abaixo), uma equipe formada por jogadores do Dínamo de Kiev e do Lokomotiv, dois dos principais times locais. Vários jogadores destes clubes estavam sem atuar desde o início da Segunda Guerra e muitos deles trabalhavam numa padaria para poder sobreviver.





O time foi autorizado a jogar contra equipes formadas por soldados de batalhões invasores. Os nazistas estavam confiantes e não admitiam que um time de "padeiros" pudesse sonhar em vencer os militares alemães dentro de campo.

Só que o FC Start, formado por jogadores profissionais, não era páreo para times de soldados escalados às pressas. A equipe ucraniana ganhou 8 de 9 partidas por goleada, inclusive uma no dia 6 de agosto de 1942 por 5x1 sobre o Flakelf, que era composto por militares da Luftwaffe, a vaidosa Força Aérea Alemã.

 O Flakelf era o melhor time das Forças Armadas da Alemanha e a derrota incomodou muito os nazistas a tal ponto que uma ‘’revanche’’ foi agendada para 3 dias depois, em 9 de agosto, no Estádio Zenit, em Kiev.

A situação era extremamente tensa nesse segundo jogo, com soldados nazistas armados cercando o estádio do lado de fora e também dentro, ao redor do campo de jogo. Mas isso não intimidou os craques do Start que já no primeiro tempo venciam o Flakelf por 3x1.

No intervalo do jogo, um oficial da SS, a temida e brutal tropa de elite nazista, foi ao vestiário dos ucranianos  "informar" que eles  "não poderiam vencer" e que se isso ocorresse  "sérias consequências poderiam acontecer".

 Numa demonstração de ousadia e coragem imensas, o Start voltou para o segundo tempo e não tomou conhecimento nem do Flakelf, nem das ameaças nazistas. Meteu mais 2 gols e acabou vencendo novamente os alemães, desta vez  por 5x3.

Aí surgiu a grande  "lenda urbana" dessa história. Relatos difundidos através dos tempos, afirmam que logo ao fim da partida os jogadores do Start teriam sido fuzilados pelos alemães, ainda dentro do campo e vestidos com os uniformes da equipe. Hoje se sabe que isso de fato nunca ocorreu. O que não significa que não tenha havido uma dura represália nazista.





Logo depois deste segundo jogo com o Flakelf, o FC Start foi desfeito por ordem do comando alemão em Kiev e vários jogadores foram presos, interrogados e torturados pela Gestapo, a polícia política de Hitler. Outros foram enviados para um campo de concentração para prisioneiros de guerra na cidade de Siretz. E foi neste campo que por punição a uma tentativa de sabotagem, os alemães decidiram fuzilar alguns prisioneiros. Entre eles estavam quatro atletas que tinham jogado pelo Start, incluindo o goleiro Nikolai Trusevich, que antes de receber um tiro  pelas costas gritou a célebre frase:

"O time vermelho nunca vai morrer!", numa alusão à camisa vermelha dos heróis do FC Start.

A dramática história do  "Jogo da Morte"  inspirou até Hollywood, que produziu um filme com roteiro baseado na saga do FC Start: o  "Fuga para a Vitória", lançado em 1981 (foto acima), dirigido  pelo grande John Huston e com um elenco estelar, que incluiu Michael Caine, Sylvester Stallone, Max Von Sydow e jogadores de futebol de verdade como o argentino Ardiles, o inglês Bobby Moore, o polonês Deyna e ninguém mais, ninguém menos que o Rei do Futebol, o brasileiro Pelé.

O  "Jogo da Morte"  continua a ser lembrado como um exemplo de como o espírito humano e a paixão pelo esporte podem transcender as circunstâncias mais difíceis, mostrando que a chama da liberdade se recusa a apagar, mesmo nos momentos mais sombrios da história. Mais de 80 anos depois, a honra e a coragem dos jogadores do FC Start permanecem como exemplos imortais de resistência à brutalidade e à opressão.



*Marco de Cardoso é jornalista, professor e pesquisador em História

Militar(CEPHiMEx/DPHCEx)

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