Por Andréa Bruxellas
Pautado nos pilares que regem o esporte olímpico; a excelência, a amizade, o respeito, a igualdade, e a determinação, o evento Brasil Pride Games 2024 pretende mostrar, de 14 a 17 de novembro, na cidade de Curitiba, toda a magnitude do movimento LGBTQIAP + (lésbicas, gays, bissexuais, trans, queer, interssexuais, assexuais e pansexuais). O Brasil Pride Games será o maior evento multiesportivo a ser realizado no país da comunidade LGBTQIAP+, que representa mais de 9% da população brasileira. Paralelamente à disputa de 12 modalidades esportivas também haverá uma agenda cultural e científica em que o respeito à diversidade e aos direitos humanos estarão em pauta.
Apesar de cada vez mais debatido, o tema da inclusão e direitos dos transgêneros no esporte segue sendo bastante controverso não só aqui no Brasil como no mundo. Em junho desse ano, a Federação de Futebol da Alemanha (DFB) optou pelo caminho da inclusão ao aprovar uma regulamentacão que permite que já nessa próxima temporada atletas intersexo e transgênero ( incluindo os não binários ou neutros) das categorias de base, futsal e futebol amadores escolham se querem jogar por equipes masculinas ou femininas. A federação alemã entendeu que são as diferentes forças reunidas em equipe, independentemente do gênero, que contribuem para o sucesso. No entanto, esse pensamento está longe de ser uma unanimidade no meio esportivo, embora os últimos Jogos Olímpicos disputados em 2021 devido à pandemia, tenham contato pela primeira vez na história com a participação de uma mulher abertamente transgênero, a halterofilista Laurel Hubbard, da Nova Zelândia.
No ano passado, uma foto publicada da nadadora transgênero americana Lia Thomas, no alto do pódio após ganhar o título universitário mais importante dos Estados Unidos no nado livre feminino de 500 jardas (prova equivalente aos 400m livre na natação olímpica), reacendeu em várias partes do mundo o debate sobre exclusão e, também, sobre até que ponto as atletas transgênero disputam em igualdade de condições com as mulheres cis (identificadas com o gênero do nascimento) nas categorias femininas.
A campeã da prova, LiaThomas, aparece na foto isolada no alto do pódio.
Lia competiu pela Universidade da Pensilvânia que, apesar de estar na elite em termos de prestígio acadêmico, não goza do mesmo destaque em nível esportivo. Até os 20 anos a nadadora disputava as provas masculinas com o nome Will Thomas. Chegou a ser vice-campeã da Ivy League em três provas, mas só ganhou um destaque nacional após os tratamentos hormonais que permitiram que disputasse as provas femininas.
Em entrevista concedida na época ao Sports Illustraded, a nadadora contou que, na fase inicial, o tratamento de transição de gênero provoca fadiga e perda de massa muscular. A nadadora disse que só optou pelo tratamento ao ter certeza que sofria de disforia de gênero, um sentimento de angústia pelo fato de não se identificar com o gênero de nascimento e que, naquela altura, achava, inclusive, que não voltaria mais a nadar.
Embora o sucesso da nadadora tenha servido de estímulo para outros atletas trans perseguirem seus sonhos, ele também provocou uma onda de críticas e de fake news. Uma delas relacionada à foto publicada acima, que chegou a ser vista por outros atletas transexuais como uma forma de preconceito das outras três nadadoras, duas delas campeãs olímpicas pelos Estados Unidos, que teriam feito um trio durante a foto no pódio. Erica Sullivan, que aparece na foto com chapéu de cowboy e foi bronze nos Jogos de Tóquio 2021, negou as acusações feitas através das redes sociais e elogiou a conquista de Lia.
Na época, Lia competiu dentro dos critérios estabelecidos pela federação americana de natação, USA Swimming, que permitiam que atletas transgênero participassem de eventos de elite desde de que cumprissem critérios como o de fazer testes de testosterona por 36 meses antes das competições. No entanto, em junho do ano passado, a Federação Internacional de Natação (Fina) estabeleceu novas regras que podem barrar não só os sonhos da nadadora americana, que encerrou a graduação e sua elegibilidade para natação universitária, como de outros atletas trans da modalidade. Em uma decisão aprovada com 71% dos votos, a Fina estabeleceu que só poderão participar das competições de elite em categorias femininas atletas que tenham feito a transição de gênero antes dos 12 anos de idade. Vale ressaltar que embora esse tipo de tratamento seja possível na puberdade, ele não é acessível à maioria e, em alguns estados do Estados Unidos, por exemplo, está proibido.
No início deste mês a Worls Aquatics, entidade internacional que regula a natação anunciou a criação de uma “categoria aberta” para incluir atletas transgêneros. A natação não foi a única modalidade a banir competidores trans de eventos relevantes.
No atletismo, um outro atleta norte-americano tinha virado destaque após fazer a cirurgia de transição de sexo aos 21 anos. O velocista Carig Telfer deu o primeiro título nacional à Franklin Pierce University ao vencer os 400 m feminino com barreiras com o nome Cece Telfer. No entanto, em março deste ano, a Federação Internacional de Atletismo decidiu proibir a participação de mulheres trans nas competições femininas.
Logo após a decisão da Federação Internacional de Atletismo, a jogadora do time brasileiro de voleibol Osasco, Tiffanny , primeira mulher trans a competir na Superliga brasileira feminina, se manifestou em live no Instagram classificando a atitude da federação como machista e transfóbica.
A atleta foi beneficiada pela autonomia que a Federação Internacional de Voleibol (FIVB) deu às federações nacionais de seguirem suas próprias diretrizes nesse quesito. E a CBV optou pela elegibilidade de atletas trans desde que os níveis totais de testosterona sejam inferiores a 5 nanomol por litro de sangue durante 12 meses consecutivos.
Ainda que sob o risco de serem taxadas como transfóbicas, atletas brasileiras e estrangeiras se pronunciaram contra a inclusão de mulheres trans em provas femininas. No voleibol, as medalhistas olímpicas Tandara e Ana Paula Henkel declararam em entrevistas tanto para pesquisas acadêmicas quanto para imprensa que acreditam que as vantagens biofisiológicas obtidas através da memória muscular adquirida antes da transição colocam as mulheres trans em vantagem em relação às mulheres cis. Na natação, a estadunidense Riley Gaines, que compete pela Universidade de Kentucky, defende que a integridade de cada sexo precisa ser protegida.
A opinião da atleta corrobora iniciativas como a da Federação de Atletismo do Reino Unido que, segundo o jornal The Guardian, está estudando a criação de uma categoria aberta para competidores transgêneros.
No entanto, os defensores dos direitos das pessoas transgênero argumentam que essa saída não seria exatamente uma igualdade de oportunidades no esporte já que os holofotes estão sempre mais voltados para as competições masculinas. Ela poderia fazer com que os atletas trans enfrentassem dificuldades semelhantes ao do esporte paralímpico em questões de visibilidade e patrocínio, o que traria desvantagens econômicas e sociais para um grupo já normalmente alijado do mercado de trabalho tradicional, que segue o modelo binário da sociedade, que determina papéis sociais, identidades e atributos de gênero.
As pesquisas sobre o tema ainda são poucas e, por vezes, contraditórias. É preciso que mais pesquisadores se debrucem sobre o tema de maneira a servir de embasamento para outros trabalhos acadêmicos que, baseados em evidências científicas sobre a participação de atletas trans no esporte, possam fomentar um diálogo respeitoso entre todos os interessados no tema.
Certamente o caminho passa por encontrar soluções que permitam um equilíbrio entre inclusão e equidade competitiva tendo como norte, sempre, a proteção dos direitos humanos, que valem para todos, maiorias e minorias.
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