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O brilho das atletas brasileiras em Paris 2024 vai continuar em Los Angeles 2028?


Por Ana Miragaya


Pela primeira vez na história da participação brasileira nos Jogos Olímpicos (1920-2024), o Brasil levou mais atletas mulheres, 153, do que atletas homens, 124, para uma edição olímpica, num total de 277 esportistas, segundo o Comitê Olímpico do Brasil (COB). Justamente o oposto de delegações olímpicas brasileiras anteriores, que sempre levavam mais atletas masculinos. Por que mais mulheres do que homens dessa vez?

Podem-se apontar duas razões principais:

1. Razão geral: por determinação do Comitê Olímpico Internacional (COI), que vem preconizando paridade de gênero nas competições, os esportes olímpicos começaram a abrir vagas para mulheres nas competições que antes não tinham, ou tinham poucas, como foi o caso do boxe, em 2012, em Londres, e a canoa feminina em Tóquio, 2020. No boxe de 2024, uma nova categoria de peso feminino foi incluída e uma categoria masculina foi cortada, com objetivo de paridade de gênero. Há ainda as competições mistas por equipe, como foi o caso do judô.

Além disso, cada esporte novo que é incluído no Programa Olímpico deve enviar o mesmo número de atletas, mulheres e homens, como o surfe e o skate nos Jogos de Tóquio-2020. Com isso há aumento de oportunidades e vagas para a participação feminina.

2. Razão específica do Brasil:  a não classificação das equipes masculinas de futebol (18 atletas), rúgbi (12 atletas) e handebol (14 atletas), tiraram pelo menos 44 atletas masculinos da delegação. Se essas equipes tivessem sido classificadas, seriam 168 atletas masculinos (124 + 44), número maior que o de mulheres, dando continuidade à tradicional maior representatividade masculina. Mas, ter mais mulheres atletas na delegação fez a diferença?

Talvez. Em termos de pódio, mais mulheres que homens conquistaram medalhas. As atletas brasileiras brilharam em ouro, prata e bronze! Conquistaram 12 das 20 medalhas que o Brasil recebeu, sendo três de ouro (Duda e Ana Patrícia no vôlei de praia, Rebeca Andrade na ginástica artística e Beatriz Souza no judô), quatro de prata (futebol feminino, Tatiana Weston-Webb no surfe e duas de Rebeca Andrade) e cinco de bronze (Larissa Pimenta no judô, Rayssa Leal no skate street, ginástica artística por equipe, Bia Ferreira no boxe, vôlei feminino e equipe mista de judô, com a decisão final vitoriosa de Rafaela Silva). Como foram mais mulheres do que homens, seria então natural ter mais medalhas femininas? Resposta: não necessariamente.

Na realidade, o triunfo feminino dos Jogos Olímpicos vem na esteira da participação histórica bem-sucedida das atletas brasileiras nos Jogos Pan-Americanos de Santiago, no Chile, em 2023, planejados e executados pela Organização Desportiva Panamericana (ODEPA), reconhecida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). O Brasil enviou sua maior delegação da história: 635 atletas, sendo 352 homens e 283 mulheres, de acordo com o COB, conquistando 205 medalhas. Mesmo estando com 69 atletas a menos, as mulheres conquistaram mais medalhas: 95 em competições femininas e 18 em equipes mistas. Foi a primeira vez que as mulheres conseguiram mais medalhas do que os homens, que ficaram com 92. Dos 66 ouros, 33 foram conquistados pelas mulheres em disputas femininas e quatro em disputas mistas. Os resultados mostraram que não é somente a quantidade de esportistas, mas sua qualidade.


Foto: Miriam Jeske/COB


A que se deve o sucesso das atletas brasileiras? Ele não veio por acaso ou por sorte. Afinal foram décadas sem haver apoio e investimentos no esporte feminino, não somente no Brasil, mas em muitos outros países. Não podemos nos esquecer de que o futebol feminino, por questões culturais e ultraconservadoras, foi proibido no Brasil em 1941, através do decreto-lei 3199, art. 54, que também criou o Conselho Nacional de Desportos (CND). Este, por sua vez, em 1965, publicou uma lista de esportes proibidos para as mulheres, incluindo além do futebol de campo, o futsal, o futebol de praia, o halterofilismo, polo aquático, rúgbi, beisebol e as lutas.

A classe política da época, formada somente por homens, julgou que esses esportes não eram “adequados à natureza das mulheres”, com base em argumentos ultrapassados, do século XIX, discriminatórios contra a mulher, e sem nenhuma base científica. Essa proibição causou um prejuízo incalculável ao desenvolvimento do esporte feminino brasileiro, inclusive o olímpico, pois não só atrasou a evolução do futebol feminino no Brasil como também se refletiu negativamente nos outros esportes “autorizados” pelo governo da ditadura militar (1964-1985). Essa censura, seguida de repressão para coibir as práticas esportivas por parte das mulheres, induziu a sociedade ao preconceito e à discriminação contra a participação da mulher no futebol por décadas. Em 1979, o decreto foi revogado, mas somente em 1983 o futebol feminino foi considerado aceitável pelo CND e retomado a partir de regulamentação. Os outros esportes foram evoluindo de forma lenta na participação feminina. Muitos países também passaram por isso ao longo de dezenas de anos, devido a posições políticas retrógradas e ultraconservadoras.

No entanto, maioria nas sociedades, as mulheres, que vinham conquistando seu direito ao voto, que passaram a ter mais acesso à educação e ao trabalho, que se tornaram mais conscientes de seus direitos, especialmente os reprodutivos, vinham impondo pressão para também ter acesso ao direito fundamental ao esporte, reforçado em 1978, por declaração da UNESCO, órgão das Nações Unidas. Esse clamor social foi crescendo e se fortalecendo, chegando às federações esportivas e ao COI, que teve que se adaptar e aceitar as novas realidades sociais femininas, inclusive alterando o programa Olímpico das várias edições dos Jogos. Em 1981, pela primeira vez na história olímpica, duas mulheres foram convidadas a serem membros do COI, que havia passado 87 anos (1894-1981) sem nenhuma representante do sexo feminino na organização.

Assim sendo, o movimento em prol da maior participação feminina não somente em termos das atletas nos campos, quadras, piscinas e pistas, mas também em termos de treinadoras, gestoras, árbitras, juízas, dirigentes vem sendo cada vez mais orientado e determinado pelo COI, que almeja a igualdade e a paridade de gênero no Movimento Olímpico, depois de décadas sem qualquer incentivo.

De forma explícita, a Carta Olímpica, que codifica os Princípios Fundamentais do Olimpismo, Regras e Estatutos, determina em seu artigo 8 (pág. 13) o seguinte objetivo: “incentivar e apoiar a promoção das mulheres no desporto a todos os níveis e em todas as estruturas com vista à aplicação do princípio da igualdade dos homens e mulheres”. Além da Carta, há documentos do COI, como a Agenda Olímpica 2020, publicada em dezembro de 2014, e a Agenda 2020 +5, publicada em 2021, que reforçam o princípio de igualdade de oportunidades para homens e mulheres. Qualquer pessoa ou organização que pertença, seja a que título for, ao Movimento Olímpico está vinculado às disposições da Carta Olímpica e deve respeitar as decisões do COI, como, por exemplo, os Comitês Olímpicos Nacionais e as Federações Internacionais.

Dessa forma, seguindo as diretrizes do COI, talvez em atraso quanto à sua determinação para a valorização do esporte feminino, o COB desenvolveu em 2021 a área da Mulher no Esporte e, em 2022, criou a Comissão Mulher no Esporte, visando “potencializar os resultados femininos por meio de ações de equidade de gênero, que promovam a inclusão e o reconhecimento da mulher nos diferentes âmbitos do esporte. Tais ações são voltadas às atletas, treinadoras, gestoras e outras profissionais da área”. Essa recente iniciativa, que logo rendeu frutos nos Jogos Panamericanos 2023 e nos Jogos Olímpicos 2024, precisa de programação de longo prazo, com continuidade, esforço, persistência e sustentabilidade para oferecer certeza e mais oportunidades verdadeiras às meninas e mulheres que desejem carreiras no esporte.

Observa-se que as regras do COI vêm se alterando justamente para se adaptar às mudanças constantes da sociedade que cada vez mais deseja o fim do preconceito e da discriminação contra a mulher no esporte, em qualquer função. Documentos olímpicos recentes, como os já citados, vêm se atualizando, determinando a paridade ou igualdade de gênero de forma bastante clara e direta. Com isso, cresce a participação feminina nas muitas modalidades esportivas. Por isso, tivemos pela primeira vez na história paridade de gênero nos Jogos Olímpicos de Paris 2024.

O brilho das atletas brasileiras em Paris 2024 tem possibilidade de continuar em Los Angeles 2028, assim como em outras competições esportivas nacionais e internacionais na medida em que haja apoio da sociedade, políticas públicas que favoreçam o esporte feminino, investimentos públicos (especialmente na Educação Física Escolar) e privados (empresas privadas podem e devem apoiar as esportistas através da lei de incentivo ao esporte) que alavanquem a participação das mulheres nos esportes de forma adequada, contínua e sustentável, ou seja, com planejamento de longo prazo para que haja sempre a renovação.

Com a grande repercussão na mídia, as vitórias obtidas pelas nossas atletas podem vir a inspirar meninas e mulheres na prática esportiva, para correr atrás de seus sonhos, com coragem, segurança e determinação, desde que haja oportunidades no seu dia a dia. Elas precisarão, especificamente, ter onde iniciar e dar continuidade à prática de seus esportes para que estes façam parte de sua vida. Na realidade, quanto mais oportunidades, mais resultados, sobretudo com trabalho, treino e orientação de excelência para que elas desenvolvam competências e habilidades promovendo a qualidade necessária para gerar rendimento, produtividade e a transformação de seus sonhos em realidade.

Isso foi o que sempre aconteceu com o esporte masculino, desde o início dos Jogos Olímpicos, em 1896. Como as instituições esportivas favoreceram os homens desde que o esporte foi desenvolvido na década de 1830 na Inglaterra (por homens e para homens), eles sempre tiveram maior representatividade e ainda têm, não somente como atletas, mas também em todas as outras funções ligadas ao esporte, como gestores, árbitros, treinadores, dirigentes. Mas agora parece que novos ventos estão soprando e exigindo mudanças de rumo. Antes tarde do que nunca! 

 

FONTES

 

MIRAGAYA, A. The process of Inclusion of Women in the Olympic Games. Tese de doutorado, Universidade Gama Filho, 2006.

 

COMITÊ OLÍMPICO DO BRASIL. Lista de atletas do Time Brasil classificados para os Jogos Olímpicos de Paris 2024. Acesso em 14 de agosto de 2024. Disponível em Lista de atletas do Time Brasil classificados para os Jogos Olímpicos Paris 2024 (cob.org.br)

 

COMITÊ OLÍMPICO INTERNACIONAL. Carta Olímpica. Acesso em 14 de agosto de 2024. Disponível em EN-Olympic-Charter.pdf (olympics.com)

COMITÊ OLÍMPICO INTERNACIONAL. Agenda Olímpica 2020. Acesso em 14 de agosto de 2024. Disponível em Olympic_Agenda_2020-20-20_Recommendations-ENG.pdf

 

COMITÊ OLÍMPICO INTERNACIONAL. Agenda Olímpia 2020+5. Acesso em 15 de agosto de 2024. Disponível em Olympic Agenda 2020 - Strategic Roadmap for the Olympic Movement (olympics.com)

 

COMITÊ OLÍMPICO INTERNACIONAL PARIS 2024. Official Programme of the Olympic Games Paris 2024. Acesso em 15 de agosto de 2024. Disponível em Paris-2024-Event-Programme.pdf (olympics.com)

 

COMITÊ OLÍMPICO DO BRASIL. Mulher no Esporte. Acesso em 16 de agosto de 2024. Disponível em Mulheres no Esporte COB | Comitê Olímpico do Brasil

 

SENADO FEDERAL. AGÊNCIA SENADO. Futebol feminino já foi proibido no Brasil, e CPI pediu legalização. Acesso em 17 de agosto de 2024. Disponível em Futebol feminino já foi proibido no Brasil, e CPI pediu legalização — Senado Notícias

 

UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION (UNESCO). International Charter of Physical Education and Sport, 21 November 1978. Acesso em 17 de Agosto de 2024. Disponível em UNESCO International Charter of Physical Education and Sport, 21 November 1978 - UNESCO Digital Library

 

 

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