Por Djan Madruga
Fim de ano ruim para o esporte brasileiro. A lei de incentivo fiscal ao esporte foi suspensa, ainda que provisoriamente, devido ao pacote tributário, ou PL 210/2024, que passou no Congresso Nacional. Duro de admitir, mas perdemos porque fomos fracos e desunidos, e o governo federal com a maioria dos deputados e senadores passou um trator no esporte, retirando o incentivo do imposto de renda tão importante para milhões de pessoas. Centenas de projetos educacionais, sociais e de alto rendimento esportivo acontecem anualmente no Brasil graças a existência desse incentivo.
Foto: Marcos Oliveira/ Agência Senado
Apesar da mobilização tardia de vários ídolos do esporte, minha inclusive, de presidentes de confederações, federações e entidades esportivas, não foi possível evitar que isso acontecesse. Os políticos ignoraram a mobilização, que deveria ter sido feita com força e antecedência junto aos deputados, senadores e lideranças do governo. É certo que vários ídolos e estrelas do esporte gravaram vídeos e postaram apelos nas suas redes, mas isso não foi suficiente para sensibilizar os deputados. O correto seria que o contato tivesse sido feito presencialmente ou através de ligações diretas para os gabinetes dos deputados, conversas com os assessores, troca de e-mails, WhatsApp, etc. Era preciso ter ficado em cima, pressionado muito, só assim funcionaria.
A lista dos deputados que votaram a favor da nossa exclusão está lá nos anais da Câmara. No governo federal também sabemos quem são. Mas creio que é preciso fazer o mea-culpa. O problema foi mesmo conosco, que deixamos isso acontecer. Quero citar uma conversa que tive com um deputado federal ativo em favor do esporte. Ele me disse que a classe esportiva é desunida, não comparece tampouco agradece. Esta é uma grande verdade. Nós não nos movimentamos para eleger deputados e cobrar de quem votamos. Talvez a única exceção seja o futebol, cuja enorme torcida faz diferença nestas horas. Não vamos o suficiente para Brasília atrás dos nossos direitos e poucos dirigentes fazem isso em nosso nome. Aproveitando a deixa, analiso a nossa apatia política, provavelmente nascida na infância. Quando iniciamos no esporte fomos tutelados, primeiro pelos nossos pais, depois pelos treinadores e dirigentes, para no final surgirem os agentes e assessorias. Todos eles cuidando muito bem de nós e nos deixando apenas preocupados com a nossa performance de alto rendimento, mas apáticos a todo o redor do esporte de alto rendimento, incluindo a política.
Para entender o que e como perdemos, vou contar uma parte da história da lei de incentivo ao esporte. Tentamos implantá-la inicialmente na década de 80, na época da constituinte de 88, mas não entrou. Depois queríamos que ela fosse estabelecida com a lei Rouanet, em 1991, porém o pessoal da cultura nos barrou, com medo de que o apelo midiático que tínhamos arrebatasse a maioria do dinheiro. Diziam que a cultura ficaria desprovida de patrocínios, que o futebol sobrepujaria o teatro, então nos bloquearam por muito tempo. Foram exatamente 15 anos, até que em 2006 finalmente conseguimos após muito trabalho, a aprovação da Lei n.º 11.438/06, ou Lei de Incentivo ao Esporte (LIE).
E por falar em cultura, pergunto, por que tão pouco dela foi mexido nesse pacote? Porque a cultura é unida, forte e trabalha organizadamente para não perder seus benefícios. Lutam muito para aumentar seus incentivos.
Só para exemplificar, lembro que em 2006 tivemos que negociar com a cultura, garantir que a classe não seria prejudicada. Só assim conseguimos a nossa LIE e, claro, também devido ao desejo do governo federal de então. Não esqueço de uma reunião que tivemos com a liderança da Câmara em 2006 para negociar com vários parlamentares a nossa inclusão. Lá estavam desportistas de peso e vários atores e atrizes muito conhecidos. Todos falavam alto e de pé numa sala lotada.
Uma atriz muito famosa, grande dama do teatro e TV me chamou particularmente a atenção. Sentada calmamente no canto da mesa, estrategicamente ao lado de onde o presidente sentaria, ela não falava nada, apenas esperava no modo desligado, impávida. Ocasionalmente, era pautada no ouvido pelo diretor da entidade da classe artística. Quando o presidente chegou, todos os atores se calaram, nenhum artista falou, apenas ela discursou. Com um roteiro decorado e sem dúvida escrito pelas lideranças da cultura, falou espetacularmente o que precisava ser dito e ponto final. Nós, atletas, falávamos todos ao mesmo tempo, desorganizadamente. Ela apenas disse o que tinha de ser dito. A cultura já tinha uma estratégia adquirida nos muitos anos de lobby. Nós, estávamos apenas começando. Ainda assim, 15 anos depois da cultura, nossa lei foi obtida. No entanto, neste triste fim de 2024, conseguimos perdê-la. Agora, resta esperar que em 2025 o PL 234/24, uma iniciativa no legislativo para transformar a Lei original de incentivo n° 11.438/2006 em Lei Complementar, seja colocada em pauta e aprovada. Deputados de vários partidos assinaram o documento.
Felipe Carreras (PSB/PE), Bandeira de Mello (PSB/RJ), Luiz Lima (PL/RJ), André Figueiredo (PDT/CE), Pedro Paulo (PSD/RJ), Max Lemos (PDT/RJ), Douglas Viegas (UNIÃO/SP) e Júlio Cesar Ribeiro (REPUBLICANOS/DF).
Que essa derrota sirva de lição para que nós desportistas passemos a atuar de forma mais organizada e eficaz no palco político, assim como tão bem já fazemos nas arenas esportivas.
Por fim, me defendendo antecipadamente das críticas que eventualmente meu posicionamento possa gerar, com os títulos políticos e públicos esportivos que tenho, acreditando que eles me habilitam a opinar, ainda que de forma dura sobre o momento atual.
Djan Madruga
Medalhista olímpico de natação em Moscou-1980
Coordenador da CBDA, Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos, 2012 até hoje
Secretário da SNEAR, Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento, 2007-2009
Fundador do CBEM, Comitê Brasileiro do Esporte Master-2009
Fundador e presidente da ACAD, Associação Brasileira de Academias, 1999-2005
Diretor de Marketing da TURISRIO, empresa de turismo do estado do Rio, 1990-1992
Diretor de esportes da SEEL, Secretaria de Esportes do Estado do Rio de Janeiro, 1987
Presidente da UNN, União Nacional dos Nadadores-1985
Fundador e diretor da FETERJ, Federação de Triathlon do Rio de Janeiro- 1984
Mestre em educação física pela Universidade de Indiana, EUA, 1977-1984
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