A cerca de três meses da abertura das Olimpíadas de Paris, em julho, os preparativos para o megaevento esportivo vêm sendo sacudidos não pelo ritmo dançante que emana da voz da cantora franco-maliana Aya Nakamura, mas pela polêmica que envolve o nome da artista que detém a cidadania francesa desde maio de 2021. Convidada pelo presidente francês Emmanuel Macron para se apresentar na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, no dia 26 de julho, Nakamura vem sendo contestada pelo fato de, segundo seus críticos, não ser suficientemente “francesa”.
Nascida a 10 de maio de 1995, em Bamako, no Mali - nação africana de colonização e idioma franceses - Aya Coco Danioko emigrou para a França ainda criança e cresceu na cidade de Aulnay-sous-Bois. Oriunda de uma família de griôs, os tradicionais contadores de histórias de países da África Ocidental, Aya, filha mais velha de cinco irmãos, cursou moda na vila de La Courneuve e é mãe de duas filhas, Aïcha, nascida em 2016, e Ava, em 2022.
Foto: Divulgação
A cantora adotou o nome artístico de Aya Nakamura e vem dedicando a carreira aos ritmos pop, e seu maior sucesso, “Djadja”, já obteve mais de 915 milhões de visualizações no YouTube. Apesar de ter passado a infância e a juventude na França, o nome da cantora de pele negra desperta contestação por parte de setores inconformados com as recentes mudanças na demografia do país. Até há algumas décadas, a população era, em sua maioria, de pele clara e nascida em território francês. Nas últimas décadas, porém, a população negra e islâmica cresceu visivelmente, principalmente devido aos imigrantes vindos da África.
No que diz respeito à religião, segundo dados do Observatório da Laicidade, entidade do governo francês, calcula-se que atualmente vivam na França 47% de católicos, 33% sem religião e 4% de islâmicos. O crescimento do número de negros na população francesa é algo facilmente constatável, por exemplo, na seleção de futebol, em que a presença de atletas dessa etnia é bem maior do que a de brancos. Embora na França não haja dados étnicos no censo, teoricamente para não facilitar a ocorrência de atos racistas, há estimativas de que cerca de 4 milhões de negros residam no país europeu, cuja população é calculada em cerca de 68 milhões de habitantes (dados de 2022). Boa parte dessa população negra é formada por pessoas nascidas nas antigas colônias franco-africanas que emigraram para a antiga metrópole ou descendentes dessas famílias. Caso da própria Nakamura.
De acordo com reportagem do jornal “Le Monde”, de 25 de março de 2023, no ano anterior, haviam sido registrados 12,6 mil casos de ofensas baseadas em
racismo, xenofobia e anti-religião, um aumento de 5% em relação a ocorrências semelhantes ocorridas em 2021. Os dados são do Serviço Estatístico Ministerial da Segurança Interna, um órgão governamental.
A presença de Aya Nakamura na festa de abertura é defendida amplamente pelo presidente Macron, para quem a cantora “fala com muitos compatriotas”, representando o perfil contemporâneo de uma nação que quer utilizar as Olimpíadas para se demonstrar diversa e multicultural.
Houve, porém, grande polêmica no país ao ser levantada a hipótese de que Aya Nakamura interpretaria na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos uma canção de Edith Piaf. A cantora, morta em 1963, é considerada uma das maiores personalidades do cenário musical francês. Para alguns, o simples fato de a jovem cantora pop interpretar uma música de Piaf seria uma “humilhação ao povo francês”.
A palavra final sobre a participação ou não de Aya Nakamura caberá ao diretor artístico da abertura, Thomas Jolly, favorável à apresentação da artista. Entretanto, resta saber se irá prevalecer a vontade de Macron ou se a organização do megaevento terminará por cancelar a presença da estrela pop, curvando-se ao alarido dos que desejam calar a voz franco-maliana.
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